Lojas de conveniência sem funcionários crescem em condomínios na pandemia
Distanciamento social impulsiona modelo de negócio que depende da honestidade do cliente
Com menos gente disposta a sair de casa na pandemia, minimercados sem funcionários têm se espalhado por condomínios residenciais nos últimos meses.
O morador pega o que deseja nas gôndolas, paga e vai embora. Porque depende da honestidade do cliente, o modelo é chamado de “honest market” —mas, claro, há câmeras para estimulá-la.
Até março, a Vendify, empresa que atua no ramo, não planejava instalar suas minilojas em condomínios. “Tínhamos um ano de vida, trabalhando com o ambiente corporativo, quando veio a pandemia. Nosso faturamento foi a zero”, conta Valdemir Araújo, 38, fundador.
A companhia, então, resolveu mirar no consumidor que estava em quarentena. Com isso, precisou trocar a gama de mercadorias. Se nas empresas vendia lanches rápidos para os funcionários, nos condomínios passou a oferecer alimentos de mercearia, produtos de limpeza e itens para animais de estimação.
Em quatro meses, a Vendify abriu 60 lojas em prédios residenciais no estado de São Paulo —antes, tinha 20, em centros comerciais.
“Foi um crescimento muito rápido e ainda estamos no processo de amadurecimento para que ele seja sustentável”, diz Valdemir.
“Com o fim do isolamento, há uma interrogação se esse modelo vai continuar prosperando. Não vamos abandonar o segmento corporativo”, diz o empresário, que não revela o faturamento do negócio.
Já a Nutricar, fundada em 2013, havia começado a instalar minimercados em condomínios já no começo do ano. “A mudança não teve a ver com o coronavírus, mas, claro, o negócio deu um boom por causa dele”, diz Bernardo Fernandes, 30, fundador.
Só em 2020, a companhia abriu 75 lojas, afirma o empresário. Uma delas fica dentro de um contêiner em um condomínio de casas em Jandira, na Grande São Paulo. A meta é que a empresa chegue a pelo menos 110 pontos de venda até o fim de dezembro.
Os mercados, cujos tamanhos variam de acordo com o espaço disponível, levam cinco dias para funcionar a partir da assinatura do contrato. Cada um rende entre R$ 25 mil e R$ 30 mil mensais. A reposição dos cerca de 800 produtos é feita a cada 24 ou 48 horas, dependendo do ponto.
Segundo Bernardo, os furtos não são um grande problema para o negócio. “As lojas ficam em ambientes controlados. Há câmeras e um software analisando a imagem. Claro que roubos acontecem, mas a taxa é de apenas 2% do que é vendido.”
A empresa deve faturar R$ 25 milhões neste ano. O objetivo é dobrar a cifra no ano que vem, com a ajuda da volta do trabalho nos escritórios e a retomada dos pontos de venda nesses locais.
A Smart Break, que tem dois anos e meio de vida e cem minimercados, busca chegar a 1.500 pontos de venda em três anos. Para isso, vai virar franqueadora em fevereiro. Já há contrato para 50 lojas que serão operadas no modelo.
“Como temos poder de barganha, comprando em grandes quantidades com os fornecedores, o preço dos produtos não deve aumentar, mesmo que haja taxa de franquia”, diz Rodrigo Colas, 33, fundador.
Os itens mais comprados em suas lojas são cerveja e sorvete, afirma ele. “A ideia é essa: o cara está em casa recebendo os amigos e acaba a cerveja. Aí e só ir ao térreo.”
A companhia deve faturar R$ 2 milhões neste ano, cifra que pretende quintuplicar para 2021. Assim como suas competidoras, também começou trabalhando com o ambiente corporativo. Hoje, 70% de suas lojas ainda estão em locais de trabalho.
As três empresas ouvidas dizem que o modelo de “honest market” só é rentável em locais com mais de cem unidades habitacionais. Uma parcela das vendas fica com o condomínio, até para que ele possa cobrir custos de energia com o funcionamento do mercado. Na Nutricar, por exemplo, essa porcentagem é, em média, 5%.
Para Maximiliano Carlomagno, sócio da consultoria em inovação Innoscience, o modelo vem para competir com os tradicionais, mas não para superá-los de vez.
“Tenho dificuldade para prever a viabilidade de longo prazo. Sinto que, se tivermos um cenário igual ao anterior à pandemia, as pessoas ainda agirão de outras formas.”
Wilson Poit, diretor-superintendente do Sebrae-SP, diz que os “honest markets” não são um fenômeno momentâneo e tendem a crescer.
“O brasileiro gosta do atendimento pessoal, mas isso muda com o tempo. Esse modelo já emplaca bem para quem não se incomoda com impessoalidade e busca proximidade nas compras.”